Por seguir a página do Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) no Facebook é que eu soube do parecer prévio, exarado pelo órgão nesta segunda-feira (19), pela irregularidade das contas do Governo do Paraná no ano de 2014. Tudo bem que é um documento preliminar, mas não recordo de instruções desse tipo irem parar na internet antes – ainda mais com frases tão contundentes. E por ser, sem dúvida, um momento excepcional na história do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), optamos por buzzfedizar o conteúdo. Quem quiser saber tintim por tintim das 26 ressalvas feitas pelo MPC-PR às contas do governador Beto Richa, recomendamos o post do órgão no Facebook, ou a leitura na íntegra do parecer 13681/2015.
1) Sugere que Durval Amaral ter sido chefe da Casa Civil, em 2011 e 2012, complica a análise objetiva das contas
“Ainda que se possa argumentar quanto ao fato de que as contas referem-se apenas ao exercício passado, quando o atual Conselheiro não mais ocupava a Chefia da Casa Civil, não se pode creditar o argumento de que tal aproximação e relação de confiança mútua se tenha esvaído. Com efeito, parece-nos indene de dúvidas que, almejando desde o início da gestão o pleno sucesso do mandato do Governador (e não se pode esperar outra coisa do Chefe da Casa Civil), esse fato por si só influencia a condução processual correspondente”, no parágrafo 17, à página 4.
2) Chama de “falta de planejamento” e “propaganda” a substituição de servidores efetivos por temporários (Contratos de Regime Especial)
“Tratam-se de vínculos precários, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme as hipóteses fáticas detalhadas na norma infraconstitucional. Seguramente, num panorama de diminuição do quadro, o crescimento de tais contratações é prova indiciária da substituição de cargos efetivos por prestadores temporários, ou seja, solução paliativa para necessidades permanentes de pessoal, o que não condiz com os preceitos de profissionalização e eficiência no serviço público. Cuida-se, por isso mesmo, de falha de planejamento na execução das políticas de pessoal da administração estadual, no claro intento de veicular-se a propaganda de corte nos recursos públicos, porém em prejuízo da continuidade do serviço”, nos parágrafos 24 e 25, à página 5.
3) Classifica como “descontrole” as alterações orçamentárias verificadas nas contas de 2014
“De igual forma, constatou a unidade técnica da Corte que não há controles adequados das alterações orçamentárias, destacando-se que os créditos adicionais representaram 30,46% do orçamento inicial, ao passo que os cancelamentos corresponderam a 26,42%. (…) Ousamos divergir da unidade instrutiva, porque, a uma, persiste na Lei do Orçamento anual de 2014 a concessão de créditos adicionais ilimitados, em franca violação ao prescrito no art. 167, inciso VII, da Constituição da República – que veda não apenas sua utilização, mas também sua concessão. E, a duas, porque o enquadramento das alterações no percentual máximo em tese disciplinado pelos incisos da Lei (o que se demonstrou inexistir) não abranda o descontrole em si das modificações promovidas”, parágrafos 31 e 33, à página 6.
4) Superavit orçamentário existiu, mas nem de perto foi de R$ 854 milhões
“De outra banda, constou da instrução a ocorrência de falha contábil no balanço orçamentário do exercício, que deixou de contemplar os valores atinentes às interferências financeiras para o Regime Próprio de Previdência e aos repasses efetuados ao Poder Judiciário para quitação de precatórios. Nesse aspecto, o resultado orçamentário apresentado pelo Estado do Paraná seria superavitário em R$ 854 milhões; contudo, efetuados os ajustes identificados pela DCE, resultaria um déficit orçamentário de R$ 508 milhões. O impacto do resultado deficitário, por sua vez, há de ser mitigado em face da existência de resultado financeiro superavitário de fontes não vinculadas do exercício anterior, no importe de R$ 564 milhões, de sorte que, a teor do art. 43, § 2º,da Lei nº 4.320/1964, haveria possibilidade de suplementação no exercício de 2014 com lastro nos recursos financeiros poupados”, parágrafos 40 e 41, à página 7.
5) Questiona tanto a política de renúncia fiscal, quanto a capacidade do governo em gerenciá-la
“Vivencia-se no Estado do Paraná, não obstante, uma realidade em que os segmentos técnicos do Governo desconhecem e desprezam o real impacto de tais medidas sobre a execução orçamentária, consequência que seguramente seria evitada caso fossem, afinal, realizados os estudos e elaborados os Demonstrativos de Estimativa e Compensação da Renúncia de Receita. Isto porque, ao violar o comando explícito da LRF, o Estado do Paraná afastou-se do princípio estruturante de higidez das contas públicas – justamente, a busca pelo equilíbrio intergeracional – e, assim agindo, comprometeu todo o ciclo orçamentário com previsões irreais que camuflam uma execução irresponsável“, parágrafos 46 e 47, à página 8.
6) Conta Única estaria “logrando” os fundos especiais
“A despeito da lógica elementar que norteia a matéria, vê-se que ano após ano o Executivo Estadual se vale de subterfúgios para minar as escolhas legislativas, esvaziando as receitas que são legalmente destinadas aos fundos especiais, além da recente opção por tomar-lhe os recursos resultantes de eventual superávit financeiro. Nesse contexto, aliás, releva notar que a prática operacional de descontrole das subcontas, a pretexto da otimização decorrente do caixa único, oculta uma faceta perniciosa: ao deixar de repassar aos respectivos fundos os recursos que lhes cabem, o Tesouro é inflado com receitas que não lhe são próprias (mas já guardam destinação legal), recaindo sobre os gestores dos fundos a responsabilidade por não terem “adivinhado” a parcela que lhes competiria administrar no exercício financeiro”, parágrafo 54, à página 10.
7) Governo não teria dinheiro para obrigações de curto prazo
“Em 2014, denota-se que a suficiência financeira era, inicialmente, da ordem de R$ 327 milhões; porém, a inscrição de restos a pagar não processados no montante de R$ 1,3 bilhão conduziu à insuficiência de disponibilidade no montante de R$ 1 bilhão. E, ainda, considerando o apontamento técnico quanto ao estorno de empenhos liquidados – na ordem de R$ 805 milhões – denota-se que a insuficiência seria ainda mais agravada. Em termos práticos, tais dados permitem inferir que o Estado não dispõe de caixa para saldar suas obrigações de curto prazo. Sua gestão apartou-se de forma inarredável dos mais comezinhos princípios da responsabilidade fiscal, propiciando a rolagem da dívida flutuante e imprimindo um panorama de deterioração das condições de higidez financeira do Estado”, parágrafos 61 e 62, à página 11.
8) MPC é contra contabilizar servidores e Hospital da PM para limite constitucional da Saúde
“No que se refere ao índice de aplicação em ações e serviços públicos de saúde (ASPS), consigne-se de antemão a frontal discordância deste Órgão Ministerial com os critérios de cálculo encampados pela DCE no tocante à inclusão, para fins de contabilização do mínimo legal, dos gastos relativos à gestão da saúde dos servidores e seus dependentes e à gestão do Hospital da Polícia Militar. A inclusão de tais valores afronta de modo expresso o disposto no art. 4º, inciso III, da Lei Complementar nº 141/2012, segundo o qual é vedado considerar, para os fins de apuração das despesas mínimas em saúde, os gastos destinados à “assistência à saúde que não atenda ao princípio de acesso universal”, parágrafos 74 e 75, à página 13.
9) De 2011 a 2014, R$ 1,29 bilhão não foram investidos na Saúde
“Isso força a conclusão de que, somando-se as diferenças constatadas nos dois exercícios (2013 e 2014), chega-se ao déficit acumulado de mais de R$167 milhões, apenas em relação aos exercícios de 2013 e 2014. Em verdade, o déficit real do Estado do Paraná é gritantemente superior, haja vista que restam pendentes de compensação os déficits apurados por esse Tribunal quando da apreciação das contas de governo dos exercícios de 2011 e 2012. O Acórdão de Parecer Prévio nº 306/13 consignou a determinação de que o governo paranaense aplicasse em saúde um montante suplementar equivalente a R$596 milhões, relativo ao déficit do exercício de 2011, além de R$533,5 milhões referentes à insuficiência de aplicação do exercício de 2012. Contabilizando-se então os déficits acumulados dos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, chega-se ao valor total de R$ 1,29 bilhão que sangrou das ASPS para outras políticas governamentais nos quatro últimos exercícios financeiros, conduta que, além de caracterizar desatendimento ilegítimo ao ordenamento jurídico, ocasiona dano social com nefasta consequência para o funcionamento global do sistema de saúde público paranaense”, parágrafos 81, 82 e 83, à página 14.
10) Diz que alterar metas depois de concluído o exercício é “pedalada fiscal”
“Quanto ao resultado primário, ao passo que a meta era de superávit de aproximadamente R$ 2,3 bilhões, o Estado obteve déficit de R$ 177,9 milhões; quanto ao resultado nominal, a meta era de condução da dívida consolidada líquida para R$ 986 milhões, enquanto o endividamento chegou à cifra dos R$ 3 bilhões. (…) Os dados apresentados não deixam dúvidas quanto ao fracasso da política fiscal ao longo do exercício de 2014. Para que se possa dimensionar o impacto negativo dos dados atinentes às metas fiscais, basta observar que, enquanto a receita arrecadada teve um incremento de 4,56% em relação ao exercício anterior, o endividamento aumentou em 24,75%”, parágrafos 98 e 100, às páginas 16 e 17.
“Se a exposição direta e objetiva do descumprimento das metas fiscais, sem que tenha havido qualquer ato de contingenciamento de despesas, é suficiente à demonstração de irregularidade das contas (seja por afronta ao Anexo da LDO, seja pela violação direta dos predicados da LRF), agrava-se o apontamento com a manobra escusa e inconstitucional de se dissimular o atendimento à meta mediante a sua alteração a posteriori, já findo o exercício e publicados os demonstrativos – expediente que, pela similaridade com os apontamentos feitos pelo Tribunal de Contas da União no exame das contas presidenciais de 2014, poderia ser qualificado por verdadeira “pedalada fiscal”, para empregarmos terminologia que se consolidou no noticiário nacional”, parágrafo 103, à página 17.
>>> Todos os grifos e sublinhados são do autor da peça, o procurador-geral do Ministério Público de Contas, Michael Richard Reiner – eleito para o cargo em fevereiro do ano passado, e cujo mandato segue até o comecinho de 2016. Ele tem 36 anos e há 11 é servidor do MPC, onde ingressou por concurso público.