Co-qua-ré! Se tivessem competido na categoria profissional, Jullia Gouveia e Karol Bernardi certamente estariam entre os finalistas, brigando por uma posição no pódio. Para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fizeram um levantamento inédito denunciando o uso da Constelação Familiar no Judiciário, ao custo de R$ 2,6 milhões, e as mais de 24 mil sessões da controvertida prática, criticada pelo Conselho de Psicologia, no SUS. O TCC virou duas reportagens na Agência Pública, cuja repercussão levou o Ministério dos Direitos Humanos (MDH) a se manifestar sobre o assunto.

Por isso tudo, a série de reportagens sobre Constituição Familiar nas instituições públicas brasileiras é a vencedora da categoria Universitária do Prêmio Livre.jor de Jornalismo-Mosca em 2023. A reportagem mostra bastante coragem, por abordar um tema polêmico, com potencial para irritar instituições, autoridades e adeptos da prática. Também tem qualidade na apuração, por ter sido resultado de dezenas de pedidos de informação direcionados contra o mais opaco dos poderes públicos, que é o Judiciário brasileiro, além do cruzamento de dados oficiais. Por fim, a apuração repercutiu nos veículos de imprensa, contribuindo para que o MDH levasse a denúncia da sociedade civil ao Conselho Nacional de Direitos Humanos.

“O trabalho conseguiu apurar e divulgar informações públicas anteriormente nunca discorridas ou pouco publicizadas sobre a Constelação Familiar em diversas instituições públicas, em especial no Judiciário. Essas informações foram obtidas através de buscas de bases de dados e mais de 100 pedidos de LAI”, registraram Gouveia e Bernardi na inscrição. Também registaram sua indignação contra a opacidade de diversos órgãos públicos, a dificuldade em levantar os dados e mapearam com cuidado o uso das informações por outros veículos de imprensa.

>>> Confira aqui o TCC sobre Constelação Familiar e as reportagens na Agência Pública (Tribunais de justiça no Brasil gastaram R$ 2,6 milhões com constelação familiar e SUS já realizou mais de 24 mil sessões de constelação familiar no país).

Coragem, qualidade e repercussão, sacaram? Co-qua-ré! Aliás, Jullia Gouveia participou do Prêmio Mosca no ano passado, com uma reportagem sobre o Plano Diretor de Florianópolis, mas ficou de fora dos vencedores… Para voltar com tudo em 2023! Esperamos ver ela e Karine Bernardi na categoria profissional no ano que vem. “As reportagens divulgadas pela Agência Pública mostram às autoras quão poderosa é a ferramenta da edição, para ressaltar os pontos críticos. No TCC, é perceptível que elas sabiam onde pressionar, mas se contiveram. Não façam mais isso”, assinalou a banca de julgamento, formada por José Lázaro Jr., Alexsandro Ribeiro, João Frey e Rafael Moro Martins.

Com denúncia do machismo no cinema brasileiro, Teste de Lisbela pega o 2º lugar

Para quem pretende trabalhar com jornalismo cultural, criticar toda a cadeia produtiva do cinema brasileiro de machismo requer aquela ousadia que nós queremos incentivar/premiar. A rigor, é isso que o Teste de Lisbela faz, ao mapear as principais bilheterias dos filmes nacionais nos últimos 20 anos. Um extenso Trabalho de Conclusão de Curso, realizado por Ana Júlia Oliveira e Mariana Colpas, alunas da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-RJ).

“Ao criar um teste que utiliza variáveis direcionadas à realidade da mulher brasileira, como estereótipos de gênero, ocupação, região, sexualidade, raça e religião, buscamos avaliar a representação da mulher no cinema brasileiro nos últimos 20 anos e discutir o poder dos filmes como ferramenta de impacto social. Essa análise preenche uma lacuna de dados estatísticos nesse cenário”, dizem as jornalistas, na inscrição. E é a mais pura verdade. Mas faltou um pouco de punch no quesito repercussão.

“Fizeram o mais difícil, que é mapear 20 anos de produção, analisando 52 filmes, adaptando a metodologia para o Brasil e criando um selo para distinguir as obras que não difundem estereótipos de gênero. Faltou só uma boa e velha notícia, no estilo ‘Apenas 1 em cada 10 filmes nacionais não reproduzem machismo estrutural’, para divulgar o resultado da pesquisa mais mastigadinho, de forma que a sociedade possa se apropriar mais facilmente do resultado de tanto esforço”, anotou a banca de julgamento.

Os dados estão aí, mas precisa de olhar jornalístico para enxergá-los

Tivemos diversas inscrições baseadas em usos criativos de dados públicos, mas a mais interessante veio da Unisinos. Com “A mulher encarcerada é condenada duas vezes, pela justiça e ao abandono”, a equipe formada por Amanda Bormida, Eduarda Ferreira, Giulia Godoy, Paola De Bettio e Yasmim Borges teve uma grande ideia. Elas compararam a frequência de visitas a detentos homens e prisioneiras mulheres, descobrindo que eles recebem mais que o dobro da atenção dos familiares. É um ótimo exemplo de como utilizar os dados para contar uma história sensivelmente humana – e por isso conquistou o terceiro lugar da categoria universitária.

Foi difícil afunilar dos 9 finalistas aos 3 premiados, o que em parte justifica o atraso na conclusão do Prêmio Mosca 2023. A decisão de não conceder menções honrosas foi bastante difícil, mas seria injusto destacar dois ou três dos seis demais concorrentes, que demonstraram boa capacidade para apurar dados e trabalhá-los em uma notícia. Estamos aqui para apoiá-los no que pudermos, mas, como vocês viram, este ano foi bastante concorrido.

>>> Confira quem foram os finalistas do Prêmio Mosca 2023 neste link; neste outro, os vencedores dos anos anteriores

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