Foram inscritos 28 trabalhos no 1º Prêmio de Jornalismo-Mosca, realizado pela agência de notícias Livre.jor com o objetivo de celebrar o Dia Internacional do Acesso Universal à Informação. Apesar de ser realizado pela primeira vez em 2019 e do curto período de divulgação – a inscrição ficou aberta por poucos 23 dias – a boa recepção à celebração do direito à informação foi uma demonstração objetiva da importância do jornalismo para a construção de uma cultura pública de transparência.

Na categoria Profissional foram 15 inscrições. O Globo, Fiquem Sabendo, Zero Hora, O Popular, Plural, Modefica, 32xSP, Parágrafo 2, Verdade & Expressão e Polêmica Paraíba apresentaram trabalhos para a competição, por meio dos autores das reportagens e dos produtos jornalísticos. Todos os trabalhos basearam-se em dados públicos, de variadas fontes, mas os três vencedores destacaram-se pela coragem, pelo empenho pessoal e pelo atrevimento das equipes.

A vencedora do 1º Prêmio Livre.jor de Jornalismo-Mosca foi a reportagem “Os laços familiares do clã Bolsonaro“, de Juliana Dal Piva, Juliana Castro, Rayanderson Guerra, Pedro Capetti, Marlen Couto, Bernardo Mello e João Paulo Saconi, Gabriel Godoy; Fernando Lopes, Ana Luiza Costa e Daniel Lima, para O Globo e Época. Cuidadosa da apuração à apresentação, a reportagem relacionou, a partir de documentos públicos, que em 28 anos de vida pública o Clã Bolsonaro nomeou 102 pessoas com laços familiares entre si, num feixe de compadrio.

A dissecação dos Bolsonaros exigiu levantar documentos via Lei de Acesso à Informação desde 1991 na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro – que demorou em responder, obrigando a reportagem a, por um período, fazer a consulta diário oficial por diário oficial. A pesquisa embasou investigações no Tribunal de Contas da União e no Ministério Público do Rio de Janeiro, com grande repercussão na imprensa nacional. Na totalidade é um exemplo inequívoco de jornalismo-mosca – dando de dedo na cara dos poderosos.

Em 2º lugar, a newsletter “Don’t LAI to me”, da agência de dados públicos Fiquem Sabendo. A gente do Livre.jor até queria rivalizar, mas não dá para competir com a equipe formada por Luiz Fernando Toledo, Maria Vitória Ramos, Léo Arcoverde, Bruno Morasutti e Fabiana Cambricoli quando o assunto é Lei de Acesso à Informação. Desde o seu lançamento, em janeiro deste ano, a Don’t LAI tornou-se referência e fonte de reportagens para jornalistas do Brasil inteiro.

Realizando pedidos de informação a todos os poderes públicos e em todas as instâncias, os jornalistas do Fiquem Sabendo já identificaram mais de 100 reportagens produzidas em jornais nacionais e locais de forma totalmente espontânea a partir dos dados divulgados com exclusividade na newsletter. Não conhecia? Inscreva-se agora.

“Somos uma equipe totalmente independente, de voluntários, cada um com seu próprio emprego, que decidiu ajudar outros jornalistas com a criação de uma newsletter que abre bases de dados e ensina outras pessoas a conseguir informações específicas”, afirmaram, na inscrição. O que prova que não é só de acinte que vive o jornalismo-mosca, mas também de fazer das notícias um local de cuidado para com o próximo.

No terceiro lugar, a melhor parte da reportagem, já que o assunto aqui é jornalismo-mosca, ficou de fora do texto final. Para embasar a pesquisa de “Em três anos, mais de 2,2 mil motoristas de aplicativos foram assaltados no RS”, os jornalistas tiveram que lidar com uma negativa a pedido da Lei de Acesso à Informação. Conversa vem, insistência vai, discussão que avança… convenceram a Polícia Civil a realizar busca nos boletins de ocorrência usando como palavras-chave o nome das empresas de aplicativo de transporte privado.

A busca teve que ser realizada dentro da Secretaria de Estado da Segurança Pública, com os resultados sendo copiados um a um pela equipe formada por Hygino Vasconcellos, Cid Martins, Rossana Ruschel, Lauro Alves, Hermes Wiederkehr e Anna Fernandes. Quem mais se daria ao trabalho? Só jornalistas-moscas. Depois os dados foram analisados com ferramentas de jornalismo de dados, visualmente tratados e redigidos lado a lado com os casos de violência sofrida (e cometida) pelos motoristas. Com certeza é um trabalho pioneiro.

Aos demais inscritos na categoria Profissional, fica a nossa gratidão pelo carinho com a premiação. A deferência de vocês é o único prêmio que nós precisamos. A avaliação dos trabalhos foi feita pelos jornalistas Alexsandro Ribeiro, João Frey e José Lázaro Jr. , sob a vigilância de Rafael Moro Martins.

Categoria Universitário
Dos 13 trabalhos inscritos por estudantes de jornalismo, avaliados por João Frey e José Lázaro Jr., o que mais pesou foi a malícia de ver nos dados uma pauta que não era óbvia de antemão. Depois, a forma como essa informação foi apresentada ao público e os recursos de narrativa e de visualização. Tem jornalistas suficientes olhando para o mesmo lado, logo cabe às moscas zumbir onde ninguém olha.

As primeiras vencedoras da história da categoria universitária do Prêmio Livre.jor de Jornalismo-Mosca são Vanessa Fontoura e Tainah Gil Camargo, estudantes da Unisinos, para a Beta Redação. Para a reportagem “Cerca de 70 % dos menores abrigados não podem ser adotados” foi preciso identificar a situação-limite, provavelmente a partir de conversas com promotores públicos da área e levantar os números, para só então humanizar o quadro com histórias reais. Infográficos e fotografias ajudam a criar a ambiência dos casos.

Em segundo lugar, Cláudia Freire, Juliana Veiga e Millena Prado, da Uninter, com a reportagem “Homens representam 71% das mortes por transtornos da mente e de comportamento“. Ela soube localizar, dentro do DataSUS, um assunto de flagrante interesse público, que foi a causa mortis de 63 mil brasileiros em cinco anos em decorrência de transtornos mentais e comportamentais – às vezes associados ao uso de substâncias psicoativas. Bem equilibrado, o trabalho sabe misturar esses dados a outros correlatos e faz uso de infografia para completar a análise.

Da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), em terceiro lugar, as futuras jornalistas Hellen Caroline Scheidt e Thaiz Aparecida Rubik. Para o jornal laboratório da instituição, o Foca Livre, elas fizeram duas reportagens sobre o suposto favorecimento de um empresário de Ponta Grossa com a realização de uma obra pública de canalização. Identificaram o caso no Ministério Público do Paraná e divulgaram o contexto da denúncia numa primeira reportagem. Mas não pararam nessa ousadia, percebendo uma suíte quando, na eleição, o tal empresário apareceu como doador da campanha do prefeito de Ponta Grossa – “Empresa beneficiada em canalização do arroio Charqueado fez doação para campanha eleitoral de Rangel”, feita para jornal impresso é uma amostra importante da potência dos dados no jornalismo local.

Nesta categoria, a agência Livre.jor resolveu dar uma menção honrosa ao projeto de extensão Comunicast, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Nos episódios do podcast são tratados diversos temas, sempre com o uso de informação pública e dados de variadas fontes para dar contexto aos ouvintes dos programas. O podcast tem uma qualidade técnica excelente e é um exemplo de como usar dados de forma acessória – se tivessem levantado algo em primeira mão, igual aos demais vencedores, seriam fortes concorrentes ao prêmio. Quem sabe ano que vem?

Todos os premiados receberão certificados emitidos pelo Livre.jor, sendo que os primeiros colocados, pelos Correios, no endereço indicado na hora da inscrição, terão os troféus. Na categoria Universitária, às vencedoras, uma edição do livro didático sobre Jornalismo de Dados publicado em 2018 pelas moscas do Livre.jor.

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