Em votação unânime, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definiu que é proibida a sucessão de familiar como titular em cartórios em casos de vacâncias. A medida, tomada pelo órgão na última terça-feira (19), foi em análise de ação ingressada pela Associação de Notários e Registradores do Paraná (Anoreg-PR) no conselho contra o Tribunal de Justiça do Paraná, que vem barrando casos de nepotismo nos cartórios do Estado.
No entendimento do CNJ, por meio do voto da conselheira e relatora da ação, Iracema do Vale, a sucessão familiar atenta contra a legislação, pois mantém no poder estatal pessoas do mesmo núcleo familiar sem privilegiar alternância e temporalidade. Segundo o conselho, é isso o que ocorre quando escreventes substitutos com vínculo familiar com o titular do cartório respondem pelo serviço em caso de abertura de vaga.
Além disso, ressalta a conselheira em seu voto (confira o voto na íntegra no final da matéria, que este é mais um #livreleaks) que a “Corregedoria Nacional de Justiça, no exercício das atribuições previstas no art. 8º do Regimento Interno deste Conselho, apresentou vinte metas a serem observadas pelas Corregedorias locais em 2018, entre as quais a de realizar levantamento da existência de nepotismo em nomeação de interinos, revogando os atos de nomeação que afrontam o princípio da moralidade”.
De acordo com o desembargador do TJ-PR, Luiz Cezar Nicolau, há anos o tribunal vem barrando casos de nepotismo nos cartórios no Paraná, a decisão do CNJ “apenas ratificou a orientação já adotada por esta Corte, julgando improcedente o pedido formulado pela Anoreg/PR”. Afirma ainda o desembargador que “desde o ano de 2016, nenhuma portaria de designação de agente delegado interino com relação de parentesco para com o antigo titular foi referendada pelo Conselho da Magistratura desta Corte”.
A justificativa, segundo o corregedor de justiça, é que a atividade é exercida mediante delegação do poder público por meio de concurso desde a Constituição de 1988. Assim, em caso de vacância por morte, invalidez, aposentadoria ou renúncia, a vaga volta para o Estado, que abre novo concurso.
No meio tempo, um agente interino responde pelo cartório. É neste momento que entra a decisão do TJ, que define o interino com base em normativa da Corregedoria da Justiça, “sendo vedada a designação de pessoa com vínculo de parentesco para com o antigo titular”.
Confira abaixo o voto da relatora e conselheira do CNJ, Iracema do Vale.
PCA nº 0007525-67.2017.2.00.0000
Requerente: Associação de Notários e Registradores do Paraná – ANOREG/PR
Requerido: TJPR
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INTERINIDADE. SUBSTITUTO MAIS ANTIGO. ART.39, §2º DA LEI 8.935/1994. PARENTESCO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 13. ENTENDIMENTO DO PLENÁRIO DO CNJ.
1. A questão cinge-se à designação de interino, na qualidade de substituto mais antigo, para responder por serventia extrajudicial vaga, até seu regular provimento por concurso público, na hipótese em que guardar vínculo de parentesco com o antigo titular.
2. O Plenário do Conselho Nacional de Justiça, diante da reiteração de casos e do relevo da matéria, reviu seu entendimento para fixar que será designado o substituto mais antigo, desde que não configurado afronta a aplicação da Súmula Vinculante nº 13.
4. Procedimento de Controle Administrativo julgado improcedente.
|
|
RELATÓRIO
Cuida-se de Procedimento de Controle Administrativo, com pedido de liminar, proposto pela Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná – ANOREG/PR contra o Tribunal de Justiça deste Estado, no qual questiona atos administrativos que não permitem que o escrevente substituto mais antigo com vínculo de parentesco com o titular da serventia extrajudicial seja designado para responder por esta EM CASO DE VACÂNCIA.
Aduz que em decorrência da natureza privada da atividade notarial e registral as normas que regem os servidores públicos não se aplicam aos agentes delegados do foro extrajudicial, uma vez que estes não são titulares de cargo público efetivo. Fundamentam seu entendimento em precedentes do STF (ADI nº 2602 e MS nº 27909).
Diante disto, requer que sejam afastados o enunciado da Súmula Vinculante nº 13, bem como a Resolução CNJ º 07/2005, que consubstanciam as hipóteses de nepotismo no âmbito da Administração Pública.
Afirma que a Lei nº 8.935/1994 possibilita que os notários e oficiais de registro escolham seus substitutos legais sem qualquer proibição quanto à existência de parentesco entre eles. Para tanto, citam precedentes deste Conselho (PP nº 0000006-22.2009.2.00.0000 e PCA nº 0007256-33.2014.2.00.0000).
Informa que sobrevindo a extinção da delegação do titular e a vacância da serventia extrajudicial, a Lei nº 8.935/1994, em seu artigo 39, §2º, determina que a designação recaia no substituto mais antigo, sem qualquer restrição, podendo ser, inclusive, parente do antigo titular.
Sustenta que é impositiva a aplicação do artigo 39, §2º, da Lei nº 8.935/94 à hipótese, por não se encontrar no campo da discricionariedade do Tribunal, pois possui previsão legal expressa.
Argumenta que o afastamento do titular não se deu em razão de falta disciplinar, o que excepcionaria a regra supramencionada.
Liminarmente, pretende que os órgãos administrativos do Tribunal se abstenham de aplicar o supramencionado entendimento e que autorizem a referida substituição, ressalvada a comprovação de falta grave.
Determinada a intimação do Tribunal, antes da apreciação da liminar, este pugnou pelo não conhecimento deste expediente, uma vez que o pedido da requerente seria genérico, por não ter especificado quais atos deveriam ser anulados.
Aduz também que não interferiu na relação de trabalho existente entre os agentes delegados e seus escreventes, até a vacância do serviço notarial e registral, razão pela qual, entende, que não se aplicam a Resolução CNJ nº 07/2005 e o Enunciado da Súmula Vinculante do STF nº 13.
Diz que o Conselho da Magistratura Paranaense não referenda a designação de parentes do antigo titular, por considerar que isto afrontaria os princípios da moralidade e da impessoalidade, presentes no artigo 37 da Constituição Federal.
Em resposta à manifestação do Tribunal, a requerente reiterou as alegações anteriormente lançadas e indicou atos específicos que acredita serem violadores da legislação regente sobre o tema.
A liminar foi indeferida por não estarem presentes os requisitos autorizados para a concessão da medida.
Em informações complementares, o Tribunal renovou os argumentos deduzidos no Id nº 2277178.
Regularmente notificada, a requerente permaneceu inerte.
É o relatório. Decido.
VOTO
No presente procedimento, a questão cinge-se a examinar a legalidade/regularidade do procedimento adotado pelo Tribunal quanto à impossibilidade da designação do substituto mais antigo do titular para responder pelo expediente, em caráter interino, tendo em vista o vínculo de parentesco existente, no caso de vacância da serventia.
O Plenário deste Conselho, diante da reiteração de casos e do relevo da matéria, reviu seu entendimento quanto à aplicação do enunciado da Súmula Vinculante nº 13 aos casos de designação de substituto mais antigo para exercer a interinidade de serventias extrajudiciais, à vista do artigo 37 da Constituição Federal, na perspectiva da moralidade e da impessoalidade, a vedar a prática do nepotismo.
Assentado o viés constitucional da vedação ao nepotismo, afastou o argumento referente a aplicação do artigo 39, §2º da Lei 8.935/1994, que estabelece a designação do substituto mais antigo, nos casos em que configurado o parentesco entre o antigo titular e o substituto indicado.
Outrossim, em consonância com o Supremo Tribunal Federal, este Conselho assinalou que o interino é distinto do titular da serventia, pois não atua como delegado do serviço notarial e de registro, uma vez que não preenche os requisitos para tanto; age como preposto do Poder Público.
Assemelha-se, portanto, o interino ao agente público, sendo-lhe aplicável o regime de direito público, em especial o teto remuneratório, não sendo possível afastar sua designação dos princípios constitucionais, mormente, o da moralidade e da impessoalidade que obstam o nepotismo.
Em recente julgado, o STF reiterou o caráter estatal das delegações dos cartórios, o que reforça a necessidade de observância do regime jurídico administrativo, que veda o nepotismo. Confira-se:
“(…) A uma porque o titular interino não atua como delegado do serviço notarial e de registro, mas como preposto do Poder Público e, nessa condição, deve se submeter aos princípios constitucionais aplicáveis, especialmente aos encartados expressamente no art. 37 da Carta Magna: impessoalidade e moralidade. Precedente desta Corte: MS 30180 AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 21.11.2014” (MC em MS nº 36.259/DF, j. 25/01/2019)
Por tais razões, o Conselho, em 26/09/2017[1], ajustou seu entendimento para fixar a interpretação de que será designado o substituto mais antigo, desde que não configurada afronta a aplicação da Súmula Vinculante nº 13:
“PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. MEDIDA LIMINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. DESIGNAÇÃO DE INTERINO. ATO NÃO CONVALIDADO PELO TRIBUNAL. NEPOTISMO. INDÍCIOS. LIMINAR NÃO REFERENDADA.” (PCA nº 0006528-84.2017.2.00.0000, Relator do acórdão, Cons. Fernando Mattos, j. 26/09/2017).
Outro:
“RATIFICAÇÃO DE LIMINAR. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. IMPUGNAÇÃO DE ACÓRDÃO DO CONSELHO DA MAGISTRATURA QUE NÃO REFERENDOU PORTARIA 6/2016 DE DESIGNAÇÃO DA ESPOSA DO ANTIGO TITULAR – FALECIDO – PARA RESPONDER PELA SERVENTIA. ART. 39, CAPUT E § 2º, DA LEI Nº 8.935/94. MEDIDA CAUTELAR NÃO RATIFICADA. NEPOTISMO.
1. Sendo os interinos das serventias notarias e de registro verdadeiros prepostos do poder público e sendo-lhes aplicável o regime de direito público, em especial do teto remuneratório, não se mostra adequado afastar a sua designação dos princípios constitucionais do art. 37 da CF/88, notadamente a impessoalidade, a vedar a prática do nepotismo.
2. Medida cautelar não ratificada pelo Plenário.” (PCA nº 0007449-43.2017.2.00.0000, Relator do acórdão, Cons. Fernando Mattos, j. 10/10/2017).
Oportuno registrar que este Conselho não considerava a designação do substituto mais antigo como regra absoluta, a despeito da aplicação da Súmula Vinculante nº 13 e da Resolução CNJ nº 07/2005 às atividades exercidas pelas serventias extrajudiciais, diante do caso concreto, assentou a preterição do substituto mais antigo por verificar circunstâncias em afronta a moralidade, eticidade e impessoalidade. Eis o julgado:
“EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. LEGITIMIDADE DO ATO DO TJMS QUE ANULOU A DESIGNAÇÃO DE INTERINA ESPOSA DE EX-TITULAR QUE RENUNCIOU PARA TOMAR POSSE EM OUTRA SERVENTIA.
1. A previsão contida no art. 39, § 2º, da Lei nº 8.935/94, segundo a qual, uma vez extinta a delegação deve a autoridade competente declarar vago o serviço e designar o substituto mais antigo para responder pelo cartório, até a abertura de concurso, não se aplica a casos como o presente, quando o marido renuncia ao ofício, para tomar posse em outra serventia, restando a esposa para assumir o cartório, e o faz imediatamente após a abertura de concurso, vislumbrando, assim, uma interinidade longo prazo. Embora não caracterizado o nepotismo, na forma da Resolução 7 do CNJ, restaram violados os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade.
2. Procedimento de Controle Administrativo julgado improcedente” (PCA nº 0007256-33.2014.2.00.0000, Relator, Cons. Gustavo Alkmin, j. 09/12/2015).
Com efeito, a sucessão de parentes à testa do serviço registral contraria igualmente o princípio republicano, por causar a perpetuação de uma pessoa ou grupo de pessoas (núcleo familiar) no exercício de atividade do Estado, sem privilegiar, contudo, a alternância e a temporariedade.
Destaca-se, ainda, que a Corregedoria Nacional de Justiça, no exercício das atribuições previstas no art. 8º do Regimento Interno deste Conselho, apresentou vinte metas a serem observadas pelas Corregedorias locais em 2018, entre as quais a de realizar levantamento da existência de nepotismo em nomeação de interinos, revogando os atos de nomeação que afrontam o princípio da moralidade [2].
A esse respeito, oportuno ressaltar o disposto no relatório da inspeção efetuada pela Corregedoria Nacional de Justiça no TJPR, no ano de 2018[3]:
“20 Metas Para os Serviços Extrajudiciais
No que concerne às 20 metas para as corregedorias locais para os serviços extrajudiciais, estabelecidas pela Corregedoria Nacional de Justiça, para cumprimento até junho de 2018, foi informado o que se segue:
(…)
Realizar levantamento detalhado da existência de nepotismo na nomeação de interinos no serviço extrajudicial, revogando os atos de nomeação que afrontam o princípio da moralidade.
Em cumprimento à meta 15, a Corregedoria da Justiça do Estado do Paraná, realizou levantamento dos serviços vagos sob a responsabilidade interina de escreventes substitutos legais (220 dos 456 serviços vagos) e das designações não referendadas pelo Conselho da Magistratura, por violação ao princípio da moralidade (26 casos). Na sequência, relatou-se as orientações firmadas aos Magistrados paranaenses por esta Corregedoria da Justiça quanto à impossibilidade de se designar escrevente substituto que detenha vínculo familiar com o antigo titular, conforme deliberação datada de 22/02/2018”.
Não obstante, a Corregedoria Nacional de Justiça, editou o Provimento nº 77, de 07/11/2018, reforçando o caráter irregular na designação do substituto mais antigo quando verificada hipótese de nepotismo:
“Art. 1º (omissis).
Art. 2º Declarada a vacância de serventia extrajudicial, as corregedorias de justiça dos Estados e do Distrito Federal designarão o substituto mais antigo para responder interinamente pelo expediente.
§ 1º A designação deverá recair no substituto mais antigo que exerça a substituição no momento da declaração da vacância.
§ 2º A designação de substituto para responder interinamente pelo expediente não poderá recair sobre cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau do antigo delegatário ou de magistrados do tribunal local”.
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido constante do presente expediente, por considerar regular o procedimento adotado no âmbito do TJPR quanto à impossibilidade da substituição de titulares pelos seus indicados/substitutos em razão do parentesco, no caso de vacância da serventia.
É como voto.
Conselheira IRACEMA VALE
Relatora