Depois que até o juiz Sérgio Moro estranhou as algemas nas mãos e nos pés de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, durante um exame de corpo de delito no IML de Curitiba, no dia 19 de janeiro, Livre.jor perguntou ao Ministério da Justiça qual documento dita as regras seguidas pela Polícia Federal no transporte de pessoas detidas.
A resposta é que o procedimento está descrito no Manual de Planejamento Operacional da Polícia Federal (PF), editado em 2013. E que esse documento “é considerado material de acesso restrito, não sendo possível seu fornecimento”. Então não adianta perguntar se a PF agiu corretamente, mas vale questionar se ela seguiu, ou não, o estipulado nesse “manual secreto”.
É uma questão importante, pois na ocasião criou-se um consenso em torno da aplicabilidade da súmula vinculante 11 do STF (Supremo Tribunal Federal). Lá diz que: “só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Sem acesso ao “manual secreto” é impossível dizer se os termos da súmula vinculante foram, ou não, transmitidos pela Polícia Federal aos seus agentes de campo no documento. Se os termos coincidem. Até porque houve tempo para isso, pois o STF se manifestou a respeito em 2008, cinco anos antes da edição do “manual secreto”. E, convenhamos, o uso de algemas como exceção à regra, para casos com risco à vida dos policiais federais, já vigorava dez anos antes do translado do político ao IML.
Para o Livre.jor, a respeito de manter segredo em torno do Manual de Planejamento Operacional, a Polícia Federal disse ainda que: “por se tratar de material com orientações e normatizações detalhadas sobre procedimentos operacionais da atividade-fim do órgão, sua divulgação por colocar em risco a eficiência da atuação da Polícia Federal e, principalmente, implicar em perigo à vida e à integridade física de seus servidores, investigados e demais envolvidos.”
Manual Penitenciário
Pelo visto esse não é o único “manual secreto” editado pelo Ministério da Justiça. Em 2015, o advogado Antônio Moreira da Silva requereu ao governo federal que fosse retirado o sigilo do Manual de Procedimentos de Segurança e Rotinas de Trabalho no âmbito do Sistema Penitenciário Federal.
Ele se queixava que, como ali havia regras para o desempenho da advocacia dentro das penitenciárias, e expectativas de comportamento dos presos (exigência de abaixar a cabeça para agentes penitenciários, obrigação de arregaçar o prepúcio em inspeções e proibição de jogar futebol com apenas um pé calçado nos pátios das prisões), ao menos esses trechos deviam ser tornados públicos.
O advogado, cujo pedido de informação consta no banco de dados tornado público pela Controladoria-Geral da União, insiste que o acesso ao documento deveria ser concedido, ainda que em parte, uma vez que a Lei de Acesso à Informação prevê a opção de tarjamento de texto sensível.
Fomos checar se o pedido dele, pela desclassificação como sigiloso, três anos depois, foi acatado. Resultado? O governo federal também negou: “em resposta ao pedido registrado no Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão com o número 08850000404201831, comunicamos que o Manual de Procedimentos de Segurança e Rotinas de Trabalho é classificado como RESERVADO”.