Será que desta vez o Governo do Paraná vai finalmente pôr as mãos em 70% dos depósitos judiciais, tributários e não tributários, que estão “parados” em contas especiais do Tribunal de Justiça (TJ-PR)? Nessa quinta-feira (2), a gestão Beto Richa (PSDB) publicou um documento que regulamenta a transferência desses valores do TJ-PR para a conta única do Estado.
É o decreto estadual 2.922/2015, disponível na edição 9.589 do Diário Oficial do Estado (DOE). O papel confirma a adesão do Paraná à lei complementar federal 151/2015, promulgada na semana passada, dia 25 de novembro, pelo Congresso Nacional. Ela garante a todos Estados e prefeituras brasileiras o acesso a até 70% dos depósitos judiciais relacionados a ações em que o ente público é parte. A medida é uma tentativa da União para “combater” a crise que ameaça as finanças públicas do país.
Diferente de outros órgãos públicos, como a Prefeitura de Curitiba, que optou por regularizar a adesão à norma federal por meio de projeto de lei, o Governo do Paraná pegou o “atalho” de fazer isso por decreto – assinado por Beto e pelos secretários Eduardo Sciarra (PSD), da Casa Civil, e Mauro Ricardo da Costa, da Fazenda. Este último, aliás, já tinha comemorado o novo mecanismo de “socorro” aos entes federados na primeira aprovação da norma.
Atrás de grana
Faz dois anos que o Governo do Paraná tenta avançar nos depósitos judiciais. A primeira tentativa, em 2013, ainda tinha Clayton Camargo na presidência do TJ-PR e o delicado processo de indicação dum deputado estadual para vaga no Tribunal de Contas do Estado, que culminou na vitória de Fábio Camargo, então no PTB – e, por coincidência, filho de Clayton.
Na época, cogitou-se “emprestar” ao Estado 30% de todos os depósitos judiciais tutelados pelo TJ-PR. A medida, contudo, foi barrada no Conselho Nacional de Justiça após ação da OAB-PR. A seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil, então presidida por Juliano Breda, considerou que o governo do Paraná não poderia dispor de depósitos judiciais em que ele não era parte.
Passaram alguns meses antes de, em setembro de 2013, o CNJ considerar válido que o Governo do Paraná se servisse de até 70% dos recursos referentes a depósitos judiciais, decorrentes de dívidas com o Tesouro Estadual. O novo formato, estipulado em 2015, ratifica a transferência desses depósitos tributários – e inclui os não-tributários também. Ainda assim, não é do montante todo, como se cogitou fazer dois anos atrás, mas só das ações em que o Paraná seja parte.
Depósitos judiciais
É comum em disputas na Justiça que as partes envolvidas depositem em contas bancárias especiais determinadas quantias, para garantir o pagamento de cauções, consignações, multas rescisórias ou de agravo, por exemplo. Controlados pelos Tribunais de Justiça, esses valores ficam “parados”, aguardando a sentença. São os depósitos judiciais.
A lei federal permite que, desde que o ente público não deixe atrasar aquilo que a Justiça determinar ser pago, o dinheiro “parado” volte a ser movimentado. Pra isso, deve ser criado um fundo especial, onde ficarão os outros 30% – os 70% transferidos, a título de compensação, deverão ser atualizados pelo governo conforme a variação da taxa Selic,
Só que a norma federal restringe o uso da grana extra ao pagamento de precatórios, títulos da dívida pública, despesas de capital, reequilíbrio dos fundos de previdência e eventual constituição de Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (nesse caso, limitado a 10% do montante “recuperado”)
Rapadura é doce
Entretanto é provável que esse “alívio financeiro” não refresque tanto quanto o esperado a contabilidade do Paraná. Antes mesmo do Congresso Federal analisar os vetos da Presidência da República à matéria, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ingressou com um pedido de providências no CNJ. Queriam barrar o uso desse dinheiro para questões alheias ao Judiciário. E o Conselho Nacional de Justiça concordou.
“Para o Conselho Federal da OAB, a lei estabelece critérios sucessivos para utilização dos depósitos judiciais, mas diversos Tribunais de Justiça têm celebrado termos de compromisso com governadores de estado liberando recursos de depósitos judiciais para pagamento de despesas de custeio e previdenciárias, mesmo havendo precatórios pendentes. A prática, afirma a OAB, violaria o Artigo 7º da lei”, explica o CNJ, em notícia sobre o problema.
Até que se julgue o mérito do pedido de providências 0005051-94.2015.2.00.0000, os recursos oriundos de depósitos judiciais só poderão ser usados para outros fins se o Poder Público estiver em dia com os seus precatórios. Se não estiver, que os pague com essa grana, diz o CNJ. Caso contrário, há determinação para que as transferências não ocorram. E mais, o Conselho já ordenou que toda nova legislação local a respeito disso seja remetida para Brasília, a fim de ser inspecionadas pelo órgão. Esta novela parece longe do capítulo final.