Justamente pelo tráfico de areia ser um problema mundial, há uma metodologia internacional para visualizar o tamanho desse problema. Ela consiste em tomar como parâmetro o consumo de cimento, para estimar a quantidade de areia realmente utilizada. Na prática, no ano de 2020, o Paraná consumiu 4,2 milhões de toneladas de cimento – o que deveria vir acompanhado do consumo de 16,8 milhões de toneladas de areia. Só que isso passou longe de ser verificado nos números oficiais.
Nos registros da União, faltou metade dessa areia. Em vez de produzir 16,8 milhões de toneladas, o Paraná só registrou a extração legalizada de 8,6 milhões de toneladas de areia em 2020 – logo, a diferença de 8,2 milhões de toneladas é a estimativa de retirada ilegal. O uso dessa metodologia é defendida no Brasil pelo policial federal Luiz Fernando Ramadon, que tem se dedicado a elucidar os mecanismos da mineração ilegal de areia no Brasil.
Em um artigo recente, Ramadon calculou que 64% da areia usada no Brasil em 2018 foi minerada ilegalmente – um negócio de R$ 13 bilhões de reais, que roubou R$ 179 milhões dos cofres públicos em impostos não pagos, fora os incalculáveis danos ambientais. Aplicando os mesmos parâmetros ao Paraná no ano de 2020, com o metro cúbico da areia sendo vendido a R$ 100, esse crime ambiental pode ter movimentado R$ 500 milhões.
CALCULANDO A EXTRAÇÃO ILEGAL DE AREIA (RAMADON, 2021)
Extração ilegal de areia no Paraná em 2020 | |
Produção oficial de areia (t) | 8.625.176,79 |
Consumo de cimento (t) | 4.236.000,00 |
Consumo estimado de areia (t) | 16.944.000,00 |
Estimativa de areia ilegal (t) | 8.318.823,21 |
Nível de ilegalidade | 49% |
Faturamento da extração ilegal | R$ 500.000.000,00 |
Órgãos ambientais desconversam
Quem mais perde com a sonegação da CFEM são os municípios, que ficam com 65% da contribuição. Do restante, 23% vão para os estados e 12% para a União. Convidada a se manifestar sobre a metodologia utilizada pelo policial federal Luís Ramadon, a ANM disse somente que “não avaliamos e emitimos juízos de valor sobre metodologias aplicadas/utilizadas por outras instituições”. O Instituto Água e Terra, por meio da assessoria da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Sustentável e Turismo (Sedest), disse o mesmo.
“Este indicador [do Ramadon] é utilizado para estimar a produção de areia a partir do consumo do cimento, porém existem diversas proporções de consumo, a depender do uso na composição dos diferentes produtos que utilizam a areia. É importante considerar que existe grande comercialização de finos de brita (areia artificial) que é comercializado como brita, porém seu uso substitui a areia natural. Para considerar que existe comercialização de areia de fonte ilegal haveria necessidade de estudos mais aprofundados pela ANM”, insistiu o IAT.
A opinião dos órgãos de fiscalização é diferente da dos especialistas no assunto, como a do chefe do departamento de Geociências da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), Gilson Burigo Guimarães. Para ele, “este trabalho do Ramadon é excelente”. “Inclusive por utilizar dados, sem muita margem para especulação, e trazer um quadro mínimo do problema!”. Sobre metade da areia usada no Paraná ser ilegal, “não é uma projeção absurda”, disse Guimarães, que é também representante estadual da Sociedade Brasileira de Geologia, membro do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE) e membro titular do Conselho Gestor da APA da Escarpa Devoniana.
Consumo consciente depende de fiscalização
Para Guimarães, o consumo consciente da areia esbarra na falta de controle dos órgãos públicos sobre a extração da areia. “Essa proteção na aquisição de areia, para pessoas e empresas, teria que passar pela atuação rigorosa dos entes públicos, fazendo seu papel fiscalizador. Só que eles definitivamente não estão preparados. Vai parecer discurso de sindicato, mas existe, sim, um histórico consistente de descaso (e/ou desmonte deliberado) dos órgãos públicos, nos três níveis [de governo], que deveriam atuar nas atividades de fiscalização”.
À reportagem o IAT disse que o órgão divide com a ANM a fiscalização da mineração no Paraná. A Agência Nacional de Mineração deveria efetuar o controle da atividade legalizada, enquanto ao órgão estadual caberia exigir o cumprimento dos licenciamentos ambientais. “Coexistem as 2 legislações. Se a mineração é ilegal por falta de diplomas legais de mineração, é a ANM a ser acionada. Se crimes ambientais forem cometidos, é o IAT”, descreveu o governo do Paraná, sem responder sobre autuações recentes de mineração ilegal.
A visão do IAT para o problema é que não há problema, pois “todas as lavras passam por rigorosa análise ambiental, antes de ser instalada e após o início de suas atividades”. O órgão ambiental do governo do Paraná também afirma categoricamente que “não existem lavras legais em áreas de preservação ambiental, e muito menos lavras de areia em cavernas”. “A mineração é necessária a toda a população e ela deve ser feita sempre de forma sustentável”, disse, em nota, à reportagem, o Instituto Água e Terra.
O IAT é desmentido pela ANM. “Existem registros recentes de lavra não autorizada de areia no Paraná, que em sua maioria chegam à ANM mediante denúncias ou solicitações de informações por parte do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, ou são descobertas casualmente ao se analisarem os processos minerários com diversos fins. Mais recentemente, na região metropolitana de Curitiba, a ANM tem contado com o apoio da Polícia Federal nessa atuação”, respondeu a União, confirmando a ocorrência da atividade ilegal. Hoje, a ANM dispõe de apenas três geólogos para a fiscalização da pesquisa, mais três geólogos e um engenheiro de minas para a fiscalização das lavras.
Esta é a terceira e última parte da apuração que a agência Livre.jor realizou a pedido do Observatório Justiça e Conservação, por meio da Lei de Acesso à Informação. Ela foi usada para mostrar o avanço da mineração no Paraná, a expansão das areeiras no Noroeste do estado e denunciar o submundo da extração ilegal de areia. A reportagem original foi publicada no Conexão Planeta e no Plural. Aqui vamos fornecer acesso irrestrito aos dados obtidos e detalhá-los, para incentivar pesquisas e mais reportagens sobre o assunto.
Para acessar a relação de novas lavras concedidas no Brasil em 2021, clique aqui [formato xlsx]. Para acessar a relação de lavras ativas no Brasil em 2021, clique aqui [formato xlsx]. Para acessar a íntegra do pedido de informação 48003000663202244, formulado pela Livre.jor, em que há uma descrição de como encontrar os dados no Cadastro Mineiro, clique aqui [link para página de internet].