“Os dados demonstram que o sistema [de Saúde] suportou a demanda não em decorrência da eficiência das políticas de mitigação da doença, mas da enorme capacidade do SUS de ampliar rapidamente sua capacidade de atendimento aos pacientes graves de covid-19”. Esta é a opinião de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e do Instituto Federal do Paraná, que analisou os primeiros seis meses da pandemia do novo coronavírus nos municípios da Grande Curitiba.
“Na prática, ao invés de se procurar evitar que o vírus circulasse e infectasse as pessoas, se priorizou fornecer lugar para o tratamento dos doentes, uma vez que não há remédio com eficácia comprovada se confiou nos primeiros estudos que não projetavam uma letalidade muito alta”, detectaram os analistas. Eles integram o Programa de Pós-Graduação em Sociologia e o Grupo de Pesquisa e Extensão em Políticas Sociais e Desenvolvimento Urbano (Pdur). O estudo foi divulgado neste mês e pode ser acessado no Observatório das Metrópoles [link aqui].
Gerenciamento x enfrentamento
“Após encerrarmos a primeira fase do monitoramento das políticas públicas de combate à pandemia na RMC concluímos que o sentido que estas assumem não pode ser caracterizado exatamente como um enfrentamento. Para sermos mais precisos optamos por definir o conjunto destas ações como ‘gerenciamento da pandemia’, uma administração de seus impactos na região”. Para chegar a esta conclusão, eles observaram a flutuação no período, de março a agosto, dos dados epidemiológicos ante as medidas tomadas pelos gestores públicos.
Os pesquisadores da UFPR queixam-se da falta de transparência sobre a testagem dos pacientes, que agiu como uma barreira para a mobilização social por mais medidas de controle. “A taxa de testagem positiva no período entre março a agosto girou em torno de 20%, muito acima dos 5% recomendados pelo ONU”, denuncia o grupo. No caso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) só recomenda a flexibilização das medidas de distanciamento quando o número de testes positivos for de 5% ou menos durante duas semanas. Isto não foi observado na RMC.
O problema que surge disto é o seguinte: “a partir da análise dos boletins é possível identificar o momento em que ocorre o primeiro pico de casos novos, o que daria às prefeituras a oportunidade de implementar ações preventivas para frear o ritmo de transmissão. Como isso não ocorre, as medidas posteriores apenas estabilizam os números, porém em patamares altos, sem que haja recuo ou interrupção na disseminação da pandemia”.
Desarticulação regional
Pondo os dados na linha do tempo, eles confirmaram que Curitiba foi o foco do contágio na região, a partir de doentes na região central da cidade. E que a dinâmica do comércio aberto, submetendo trabalhadores ao deslocamento diário pelo transporte coletivo, resultou no “aumento expressivo de casos nos bairros periféricos da capital, localizados ao sul e extremo sul do município (distritos sanitários Bairro Novo e Tatuquara)” e que essa onda de infecção “coincide com o mesmo período de aumento de incidência nos municípios que fazem divisa com estes bairros (Araucária, Fazenda Rio Grande e São José dos Pinhais).
Para os pesquisadores, isso escancarou a falta de coordenação regional no início da pandemia e os obstáculos colocados ao distanciamento social, uma vez que “boa parte dele [isolamento social] ocorreu pela quarentena de trabalhadores do setor público”. As afirmações são objetivas. Primeiro, que “as medidas de combate não poderiam ter sido tomadas individualmente como foram: era necessária uma coordenação regional para atuação conjunta dos municípios com mais força para restringir a circulação de pessoas e as aglomerações”. Segundo, que “o enfrentamento à pandemia na RMC assumiu um caráter sobretudo político, conciliando interesses e conflitos entre os segmentos econômicos mais afetados pelas medidas de isolamento social”.
Política das máscaras
“Enquanto a flexibilização [para a retomada da atividade econômica] avança a transmissão do coronavírus se intensifica na RMC e durante os meses de julho e agosto, com as atividades econômicas em funcionamento quase regular, há uma explosão de casos, atingindo todos os municípios do conglomerado urbano”. E isso foi amplificado, afirmam, por uma ênfase calculada no uso obrigatório da máscara, como se o apetrecho sozinho pudesse conter o contágio.
Segundo os pesquisadores da UFPR, a obrigatoriedade das máscaras “permitiu às pessoas circularem pelas ruas durante todos os horários do dia sem restrição, o que em conjunto com as normas sanitárias impostas aos estabelecimentos criou a impressão de que era seguro trabalhar e/ou frequentar as lojas que estavam abertas”.
Consulte o estudo completo > DOWNLOAD AQUI direto do Observatório das Metrópoles.