Centro Cívico. Foto: José Ogura/AEN


Os ataques que sofreu de Roberto Requião na última campanha ao Palácio Iguaçu, em 2022, não foram suficientes para fazer o governador Ratinho Júnior recuar na sua agressiva política de desoneração fiscal. Ele enviou para a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) um documento no qual diz que abdicará de recolher R$ 20,8 bilhões em impostos em 2024.

Disso 94% é renúncia de ICMS, que sozinha retirará R$ 19,7 bilhões do orçamento do governo do Paraná. O resto são R$ 637 milhões decorrentes do impacto do Simples Nacional no ICMS, R$ 492 milhões de renúncia de IPVA e R$ 6,87 milhões de ITCMD. Os números são públicos e constam nos anexos do projeto de lei 270/2023, assinado por Ratinho Júnior, que foi enviado pelo Executivo à Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) no dia 17 de abril.

No TOP 10 das isenções aparecem comércio de alimentos (R$ 5,5 bilhões, representando 26,5% do total), produção de alimentos (R$ 4,47 bi, 21,4%), metalurgia (R$ 1,96 bi, 9,43%), setor automotivo (R$ 1,9 bi, 9,35%), químico (R$ 1,48 bi, 7,11%), eletrônicos (R$ 671 milhões, 3,22%), combustíveis (R$ 588 milhões, 2,82%), fármacos (R$ 542 milhões, 2,6%), eletrodomésticos (R$ 487 milhões, 2,38%) e  construção civil (R$ 474 milhões, 2,28%). A lista com os 33 itens está no fim desta notícia.

Isenção fiscal disparou

Quando a gestão Ratinho Júnior mandou o projeto da LDO 2024 para a Alep, a cobertura da Agência Estadual de Notícias, que é o órgão de divulgação oficial do governo do Paraná, destacou o crescimento de 12,6% na arrecadação. A expectativa de receitas ano que vem é de R$ 63,7 bilhões, maior que os R$ 56,6 bilhões previstos para o ano corrente. O que ninguém disse é que a desoneração cresceu 22,5% no mesmo período.

Desde 2017, os anexos dos projetos das Leis de Diretrizes Orçamentárias trazem levantamentos oficiais, feitos pelo próprio governo do Paraná, do impacto das desonerações fiscais nas contas públicas. Por padrão, as projeções são feitas para os três anos seguintes, permitindo comparar os valores. Então, na LDO 2023, a gestão Ratinho Júnior previu que, em 2024, a isenção fiscal chegaria a R$ 17 bilhões. Neste ano, o governo reviu para cima a estimativa, dizendo que perdoará R$ 20,8 bilhões.

Contando cada real, bastou ser reeleito para, no primeiro ano do novo mandato, Ratinho Júnior e sua equipe ampliarem a renúncia fiscal em R$ 3.827.828.760 – um aumento de 22,5% da LDO 2023 para a LDO 2024. Ao fazer essa previsão, o governo do Paraná afirmou que executará a maior política de desoneração da história do estado, dobrando o valor nominal em apenas seis anos. Em 2018, a isenção foi de inéditos R$ 10 bilhões, menos da metade do recorde de R$ 20,8 bilhões de 2024.

Valores são caixa-preta

Desde que os projetos da LDO passaram a divulgar os setores beneficiados pelo perdão de impostos, em 2017, a Livre.jor vem sistematicamente destacando a importância da discussão pública desses dados. Em maio de 2022, o assunto foi motivo de queixa de deputados da oposição ao Ministério Público do Paraná (MP-PR). Eles pediram a divulgação das empresas beneficiadas, com valores e classificação da isenção.

Somente no dia 8 de maio deste ano, a secretaria estadual de Finanças (Sefa) publicou, pela primeira vez, uma relação pública das empresas beneficiadas. Os dados estão no menu da página da Sefa na internet, no item Transparência, opção Benefícios Fiscais de Caráter Geral. Hoje, há somente uma tabela para download, com dados de 2022, na qual constam o nome da empresa, CNPJ, setor produtivo, tributo, modalidade de benefício e a indicação da previsão dele na lei – mas sem o valor.

A lista tem 52.812 beneficiados, o que é pouco para um estado que oficialmente tem 1,56 milhão de empresas ativas – apenas 3,3% do total. Sem os valores relacionados a cada empresa é impossível mapear os benefícios fiscais, para saber se eles são distribuídos de maneira homogênea ou se privilegiam mais um negócio ou segmento produtivo que outro. Se quisesse, o governo do Paraná poderia divulgar esses dados em detalhes, mas opta por apenas repetir, na Sefa, as mesmas informações genéricas publicadas nos anexos das LDOs.

Reféns da Receita Estadual

A Livre.jor fez sete perguntas ao governo do Paraná por meio da Lei de Acesso à Informação a respeito da política de desoneração fiscal. A ideia, com base nessas estimativas publicadas nas LDOs, era que a gestão Ratinho Júnior respondesse com os valores efetivamente praticados nos anos anteriores, para sabermos se há diferença entre a expectativa e a realidade. Mas nada feito, que o órgão responsável se esquivou de nos informar a esse respeito.

O pedido de informação foi para a secretaria de Finanças, onde a Diretoria de Orçamento Estadual disse que a Receita Estadual saberia informar quanto efetivamente deixou de ser arrecadado em função da desoneração fiscal. Na Receita, a resposta foi que “a partir do PLDO de 2024, houve alteração da metodologia de cálculo utilizada na apuração das renúncias fiscais, de forma que haveria incompatibilidade em retroagir os cálculos para os anos anteriores, para fins de apuração da renúncia realizada”.

“Além disso, a execução do cálculo é bastante complexa, e não temos condições de aplicar toda a nova metodologia para o passado para fins de responder uma pergunta específica”, afirmou a Receita Estadual. Fica a esperança que, enquanto o projeto tramita na Assembleia Legislativa do Paraná, algum deputado estadual intime o órgão a prestar essas informações – que já deveriam ser públicas, mas seguem escondidas.

Óbvio que a gente tentou sondar essa informação em outras fontes, até porque existem dois documentos padronizados nacionalmente que já são corriqueiramente produzidos no Paraná, que são o Relatório de Gestão Fiscal (RGF) e o Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO). Mas a Assessoria de Assuntos Econômico-Tributários da Sefa cortou o nosso barato, ao informar que RGF e RREO “apresentam as receitas previstas e atualizadas, assim como as realizadas, por fonte de recurso, por categoria econômica, entre outras classificações”. Ou seja, que “que têm critérios orçamentários, não adentrando na seara da renúncia”.

Setores/beneficiários% do totalIsenção (R$ milhões)
Alimentos Comércio26,50%R$ 5.521,41
Alimentos Produção21,46%R$ 4.472,20
Metalúrgico9,43%R$ 1.964,07
Automotivo9,35%R$ 1.947,25
Químico7,11%R$ 1.481,22
Eletrônicos3,22%R$ 671,75
Combustíveis2,82%R$ 588,30
Fármacos2,60%R$ 542,50
Eletrodomésticos2,34%R$ 487,78
Construção2,28%R$ 474,05
Comércio1,89%R$ 394,71
Veículo com mais de 20 anos de fabricação1,70%R$ 354,97
Têxtil1,68%R$ 349,91
Energia1,36%R$ 283,26
Transportes1,07%R$ 222,74
Indústria0,91%R$ 189,63
Papeleiro0,87%R$ 181,93
Eletroeletrônicos0,53%R$ 110,17
Serviços0,49%R$ 101,10
Madeiras0,44%R$ 92,64
Portador de necessidades especiais0,38%R$ 79,55
Cosméticos0,36%R$ 74,19
Sem classificação0,33%R$ 68,32
Bebidas0,29%R$ 61,18
Motocicleta cujo motor não exceda 125 cilindradas e com mais de dez anos de fabricação0,19%R$ 39,36
Comunicações0,18%R$ 37,91
Higiene pessoal0,08%R$ 17,25
Ônibus municipal0,06%R$ 12,38
Beneficiários da Lei 18573/2015 – artigo 110,03%R$ 6,87
Táxi0,02%R$ 4,73
Agropecuária e pesca0,01%R$ 1,66
Transporte escolar0,01%R$ 1,42
Fumo0,00%R$ 0,12
Total geral100,00%R$ 20.836,53
Fonte: PLDO 2024
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