Parecia que quatro meses depois do Exército revogar no afogadilho três portarias que melhoravam o rastreamento de armas e munições no Brasil, mas que irritaram caçadores, atiradores e colecionadores – e o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro (ex-PSL, agora sem partido) – os documentos relacionados ao caso viriam à tona… Mas a Controladoria Geral da União (CGU) não deixou.
Por decisão da CGU [link aqui], os estudos que embasaram as portarias 46 (rastreamento de produtos controlados pelo Exército), 60 (identificação de armas de fogo), 61 (marcação de embalagens e cartuchos de munição) e 62 (revoga as anteriores) do Colog ficarão em sigilo até pelo menos novembro, a pedido do Comando do Exército. O primeiro parecer técnico da CGU foi pela liberação dos documentos, mas em rara discordância interna, a chefia da Coordenação de Recursos de Acesso à Informação atropelou a análise pró-transparência.
Esse segundo parecer, que favorece a posição armamentista do governo Bolsonaro, e “prende” preventivamente os dados até a edição de novas portarias sobre a rastreabilidade de armas e munições no Brasil, acabou sendo o acatado pelo Ouvidor-Geral da União adjunto, Fábio do Valle Valgas da Silva.
Na decisão, Silva ignora a existência do primeiro parecer, que fazia uma leitura objetiva da exceção concedida aos documentos preparatórios nas regras de transparência. Por regra, estudos que embasam atos públicos estão disponíveis pela Lei de Transparência pós a efetivação dos mesmos. Ou seja, se publicou, já estão à disposição da população. Ou deveria ser assim.
Para discordar da analista, e dar ao ouvidor-geral a oportunidade de manter os documentos às escondidas, como pediu o Comando do Exército, a chefia da Coordenação de Recursos de Acesso à Informação encampou a tese que, se os estudos serão reutilizados, recuperam o status de “preparatórios” – apesar de os atos a que estavam vinculados já terem sido publicados e revogados.
É uma situação semelhante que motivou o Ministério Público Federal a entrar com ação civil pública cível contra a União, pedindo a ilegalidade da portaria 62, que revogou a melhoria da rastreabilidade de armas e munições no Brasil. Na peça [link aqui], o procurador da República Paulo José Rocha Júnior indica os problemas com a medida e lista circunstâncias que sugerem interferência administrativa de Bolsonaro na administração do Exército.
“Ainda que se tenha indícios de interferência do Chefe do Poder Executivo sobre a revogação das Portarias, essa Procuradoria da República não possui atribuição para investigar e processar atos do Presidente da República, nem por conduta criminal e nem por conduta ímproba, sendo essa competência distribuída constitucionalmente ao Senado Federal, no caso de crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF) e ao Supremo Tribunal Federal, no caso de crimes comuns (art. 102, I, a, CF)”, escreve Rocha Júnior.
A revogação foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União, no dia 17 de abril. Na mesma data, Bolsonaro tuítou: “ATIRADORES e COLECIONADORES: – Determinei a revogação das Portarias COLOG Nº 46, 60 e 61, de março de 2020, que tratam do rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e demais produtos controlados por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos”. Para o MPF e à CGU, o Comando do Exército jura que não sofreu pressão do Executivo para recuar na rastreabilidade de armas e munições.